Mais Arte, Menos Aids: Ativistas destacam avanços na luta contra o HIV/aids, mas alertam para os grandes desafios que ainda precisam ser superados
Desde os anos 1980, com o surgimento da aids como infecção causada pelo vírus HIV, muita coisa mudou, não só na detecção e tratamento, mas no controle da doença, e em alguns países, até em relação às políticas públicas e o acesso de grande número de pessoas aos medicamentos que tornam o vírus indetectável, contendo sua transmissão.
São quatro gerações que vêm transpondo desafios e vencendo os efeitos da infecção pelo HIV. No Dia Mundial de Combate à Aids, uma efeméride criada há quase 40 anos pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), ativistas vivendo com HIV e de gerações diferentes, se unem sob o mesmo propósito, que é a conscientização em relação ao caminho que tem sido trilhado em direção à prevenção, mitigando novas infecções e pela inclusão e tratamento daqueles que vivem com o HIV.
Vivendo com HIV desde 1988
Américo Nunes, 64 anos, ativista e empreendedor social, fundador do Instituto Vida Nova, recebeu seu diagnóstico positivo em 1988. Ele diz que foi como receber uma sentença de morte, mas passados 36 anos, Nunes agradece a Deus pela oportunidade de ter vencido os desafios que a infecção lhe trouxe, bem como por ter acesso à medicação e a todas as conquistas que lhe conferem a vida que vive hoje. Nesta oportunidade, ele pode atuar na linha de frente da conscientização, bem como da manutenção e ampliação dos direitos conquistados pelas pessoas “que vivem” para um acesso pleno ao tratamento.
“Eu estive lá no início da aids e todos reconhecemos os avanços ocorridos com as profilaxias, bem como na dispensação dos insumos e cuidados. Mais recentemente grandes avanços ocorreram também na prevenção, com as profilaxias pré e pós-exposição ao HIV, o que nos faz imaginar o dia em que o vírus não exista mais”, discorre. “Então, este é um momento de celebrar muitos avanços. Não podemos nos deter, entretanto, diante de grandes desafios a serem vencidos”, alerta. Nunes enumera o preconceito, a desinformação e a falta de acesso aos recursos de prevenção e tratamento que ainda ameaçam um recorte de pessoas que hoje vivem com HIV. “Claro que viver com aids não é legal, mas é possível”. Hoje, em São Paulo, por exemplo, as pessoas têm acesso a uma rede de tratamento, uma boa assistência e distribuição de medicamentos, mas não existe uma uniformidade em relação a isso pelo país e muito menos, pelo mundo. “As políticas públicas precisam melhorar muito, nas duas frentes principais para nos levar em direção à cura da aids, que é o que a gente quer, no menor tempo possível. Todos queremos o acesso pleno ao tratamento e à prevenção, para que não haja novas infecções”. Leia a matéria na integra em Agencia de Noticias da Aids
Instituto Vida Nova lança projeto “50+ Vida Posithiva” para promover atividade física, bem-estar e saúde mental em pessoas idosas vivendo com HIV/aids
O HIV na terceira idade é um tema cada vez mais relevante, já que os avanços na medicina têm possibilitado que pessoas vivendo com o vírus alcancem idades mais avançadas. Além disso, novos casos estão surgindo entre idosos, muitas vezes devido à falta de conscientização e prevenção direcionadas a essa faixa etária. Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e a saúde mental dessa população, o Instituto Vida Nova, ONG/aids que atua no extremo leste da Cidade de São Paulo, lançou o projeto “50+ Vida Posithiva.”
A iniciativa, apoiada pelo Fundo Positivo, oferecerá aos beneficiários atividades como dança terapia, rodas de conversa, promoção da atividade física e psicoterapia, entre outros. “Este projeto surgiu da necessidade de combater o envelhecimento precoce e promover a longevidade entre idosos vivendo com HIV/aids em situação de vulnerabilidade. Acreditamos no poder transformador das atividades físicas e no cuidado com a saúde mental. Nossa meta é não apenas cultivar o amor pela vida, mas também criar oportunidades para um futuro mais promissor e repleto de novas parcerias. Visualizamos um futuro em que cada idoso tenha acesso regular à promoção da saúde física e mental, por meio de mudanças de conduta e comportamento”, afirmou Américo Nunes Neto, presidente do Instituto Vida Nova e idealizador do projeto.
Segundo Américo, o projeto visa promover uma visão positiva do envelhecimento e da longevidade entre aqueles que vivem com HIV/aids, abordando diferentes aspectos da qualidade de vida. Para alcançar esses objetivos, serão realizadas duas ações principais: promoção da atividade física e sessões de psicoterapia individual.
Os beneficiários também terão a oportunidade de participar da dança terapia, uma forma de terapia expressiva que utiliza o movimento corporal para promover a integração física, emocional, cognitiva e social. Fundamentada na conexão entre corpo e mente, a prática visa liberar tensões, expressar emoções e desenvolver autoconfiança através do movimento. É uma abordagem eficaz para tratar condições como ansiedade, depressão, estresse e traumas.
“É crucial abordar questões específicas relacionadas à saúde na terceira idade, como o impacto do HIV. O envelhecimento e a importância do suporte emocional e social para essa população são questões urgentes”, disse Américo, destacando que no passado, o diagnóstico de aids era visto como uma sentença de morte, sem perspectivas de vida longa.
Aids na terceira idade
Entre 2011 e 2021, o Ministério da Saúde registrou no Brasil 12.686 diagnósticos positivos de HIV em pessoas com 60 anos ou mais. No mesmo período, foram contabilizados 24.809 casos de aids e 14.773 óbitos devido à doença nessa faixa etária. Esses dados mostram que, durante esse período, a única faixa etária com aumento percentual de mortes relacionadas ao HIV foi a dos maiores de 60 anos. Isso evidencia a necessidade de garantir um diagnóstico precoce e um tratamento contínuo e especializado para essa população.
“É crucial promover a adesão à terapia antirretroviral, assim como a prevenção e tratamento de infecções oportunistas, e assegurar o acompanhamento regular com profissionais de saúde especializados. Com o avanço das terapias combinadas com antirretrovirais, o envelhecimento das pessoas vivendo com HIV/aids tornou-se uma realidade. Vivemos um período histórico, mas ainda aspiramos à cura!
Mês da Mulher: Empoderamento, liberdade e emancipação feminina são destaques em roda de conversa promovida pelo Instituto Vida Nova para mulheres vivendo com HIV/aids
Ser mulher em um mundo onde o machismo, a misoginia e a desigualdade de gênero descredibiliza e oprime, não é tarefa fácil. Por isso, no dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o Instituto Vida Nova promoveu um evento especial, que reuniu quase 30 mulheres que vivem com HIV/aids para um momento de celebração, cuidado, fortalecimento e empoderamento. O destaque foi uma roda de conversa, que contou com uma série de serviços dedicados à beleza e ao bem-estar, além de palestra inspiradora e um almoço de confraternização. Ancorado sob o tema da força da mulher, o encontro abordou os desafios enfrentados diariamente por elas e a importância de se sentirem belas, livres e com seus direitos garantidos.
A colaboradora técnica do Instituto, Gislaine Nunes, foi uma das líderes que esteve à frente do evento. De acordo com ela, a escuta atenta e o diálogo aberto foram pilares fundamentais que garantiram que as participantes pudessem livremente compartilhar suas experiências, suas dores, vulnerabilidades, medos e anseios, conectando-se umas com as outras. “O Chá Delas para Elas se resume em um grito de socorro, é o que eu posso observar. Nós enquanto técnicas, percebemos ali naquelas falas o quanto aquelas mulheres necessitam ser escutadas e de ter um encaminhamento. E eu quero dizer com isso que a partir do momento que a gente as deixa à vontade para abordar um assunto e elas falam sobre as suas vivências, a gente consegue identificar vulnerabilidades e fazer os encaminhamentos”, divide.
Segundo Gislaine, após identificar as necessidades, a equipe do Vida Nova está encaminhando aquelas que precisam de suporte para atender alguma demanda específica para os serviços apropriados, como por exemplo, assistência psicológica e casa de acolhida.
Gislaine pontua que durante o momento, dentre os temas debatidos, destacou-se o tema ‘relacionamento’, e dentro deste assunto foram identificadas diversas formas de violência doméstica, tanto física quanto moral.
“Eu acredito que entre as violências, a principal delas é a moral, essa é a maior forma de agressão que as mulheres acabam sofrendo dentro de seus lares, dentro de seus relacionamentos sofrem críticas, abusos, discursos como ‘eu sou homem, você é mulher, então o dever de cuidar de tudo é seu’ […]. Observamos que há uma sobrecarga dessas mulheres que precisam dar conta de tudo quando em seus lares, enquanto esperam os seus esposos. E quando chegam, são maltratadas. É bem triste! […] A gente vê o empoderamento auxiliar umas às outras que estão passando por essa fase. Isso mostra como é importante a junção desse grupo de diversas mulheres vivendo várias vidas, porque uma se fortalece na outra, dizendo coisas do tipo: ‘eu já passei por isso, está tudo bem, não se sinta culpada’, porque a culpa existe”, diz.
“Cada uma ali pede socorro de alguma forma e o intuito do grupo é que a gente possa fazer essa mulher realmente buscar meios de enxergar o problema e enxergar soluções para aquilo que está vivendo e não se conformar”, complementa trazendo a história de uma moça que compartilhou como o trabalho do cuidado tem tomado os seus dias. “Ela está com um problema no seio e precisa ser fortalecida para primeiramente cuidar de si mesma, e então depois conseguir cuidar dos filhos. Uma outra mãe também, muito emocionada, relatou a importância do Instituto Vida Nova, pois a sua filha, muito nova, chegou com sequelas já da aids. Agora está fazendo acompanhamento com fisioterapeuta e já vem melhorando grandemente sua saúde e ganhou mais autonomia […]. Essa mãe, no último momento, levantou-se, agradeceu muito a mim e a Eliane pelo acolhimento que o Instituto Vida Nova prestou. Ela chorou muito porque achou que a filha ia falecer. Aqui, contou que é muito importante essas rodas de conversa, porque assim compartilha das dores e consegue enxergar que não está sozinha.”
No Dia Mundial da Aids, o Mopaids vai ocupar a Praça da Sé em ato em defesa da população em situação de rua
Pessoas vivendo com HIV/aids, ativistas e representantes de ONGs vão ocupar a Praça da Sé, nesta sexta-feira (1) - Dia Mundial de Luta Contra a Aids, a partir das 11h, em ato em defesa da saúde da população em situação de rua. A manifestação, liderada pelo Movimento Paulistano de Luta Contra Aids (Mopaids), vai denunciar a falta de políticas públicas que dê conta da saúde desta população.
MINISTÉRIO DA SAÚDE LANÇA NOVO PROTOCOLO PARA TRATAMENTO DE HIV*
Publicado em 21/09/2023 às 17:24h
*Diogo Sponchiato, matéria originalmente publicada na revista Veja
SALVADOR – Um novo protocolo de tratamento da infecção pelo vírus HIV foi anunciado no Congresso Brasileiro de Infectologia. A atualização das diretrizes do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde introduz uma nova formulação que combina princípios ativos para favorecer o seguimento da terapia e traz orientações para aprimorar o controle da infecção e das doenças oportunistas mais prevalentes em pacientes. O objetivo é reforçar e viabilizar o alcance das metas do Unaids, o braço da ONU dedicado ao combate à epidemia.
A última edição do documento foi publicada em 2017 e, agora, sob nova gestão, um comitê de experts reunidos pelo governo federal revisou as evidências científicas a fim de consolidar novas propostas para o tratamento, tendo em vista uma melhor adesão, a redução do número de pacientes que deixam de receber as medicações e o enfrentamento de doenças oportunistas, como a tuberculose.
“A atualização do protocolo se insere em um contexto de retomada da promoção aos direitos humanos, combate ao preconceito e políticas de inclusão social, já que sabemos que determinantes sociais influenciam o controle da epidemia”, diz o infectologista Ronaldo Hallal, coordenador da iniciativa junto ao Ministério da Saúde.
Esse trabalho se resume a três eixos: o aprimoramento do tratamento antirretroviral, a contenção de infecções oportunistas como tuberculose e hepatites virais e a abordagem das doenças não transmissíveis mais comuns com o envelhecimento das pessoas com HIV, caso de diabetes e hipertensão – este terceiro eixo será apresentado em 2024.
No tratamento da infecção em si, a principal mudança é a introdução de um medicamento que reúne dois princípios ativos (lamivudina e dolutegravir) em um comprimido só. “Isso simplifica o esquema terapêutico, favorece o cuidado contínuo ao longo da vida e ajuda a manter a carga viral sob controle”, afirma Hallal. A ideia é que o combo (coformulação) seja dispensado pelo SUS, exemplo de uma tendência que marca o fim do coquetel anti-HIV. “No passado era comum pacientes tomarem dez comprimidos por dia. Hoje temos pacientes que usam dois comprimidos”, expõe o médico.
O protocolo também prevê medidas diante de casos de resistência viral, um fenômeno que, segundo Hallal, felizmente vem caindo com as novas medicações e esquemas de uso. O especialista lembra que o governo oferece, além do acompanhamento com testes de carga viral e de resposta imune, o exame de genotipagem que permite apurar a presença de HIV resistente a algumas drogas.
Outra preocupação na mira dos médicos é a perda de seguimento no tratamento de um maior número de pacientes após a pandemia – estima-se em 10% dos indivíduos em terapia antirretroviral. Isso ocorre sobretudo em grupos de maior vulnerabilidade social, que enfrentam mais barreiras de acesso à assistência. O Ministério visa, com uma série de ações, reverter esse índice.
Nossa homenagem e adeus ao ativista Jorge Eduardo Reyes Rodriguez
Aplausos a seu transformador, bonito e forte legado!